segunda-feira, outubro 20, 2003

Operação:

"FDL - Embaciado Nocturno"

Noite cerrada.
Há um cheiro intenso a humidade, sem dúvida proveniente da alta vegetação onde me encontro. Aqui ao lado, um parque de estacionamento onde os alunos da Faculdade de Direito de Lisboa deixam diariamente e por algumas horas os seus veículos. É curioso observar este espaço, porque se por um lado em comparação com os parques criados para os alunos das Faculdades adjacentes, este é sem dúvida o mais desleixado e menos cuidado, por outro, aqui encontram-se veículos quase novos de todas as cilindradas e preços.
Ainda tenho acesso a ele, mas por pouco tempo.
São 10 horas e picos da noite. O ambiente está carregado, talvez não pelo silêncio da alameda da Universidade que se vai impondo, mas pelo manto escuro de desconhecimento que agora paira nesta área.
Levantadas as cancelas que limitavam a entrada aos não utilizadores diurnos, o "Novo Parque" parece suscitar a curiosidade de muita gente, de muitos condutores noctívagos, aparentemente homens.
Por razões profissionais passo por aqui com muita frequência, mas nunca paro, pelo menos a esta hora.
Hoje não.

Vejo entrarem às dúzias, carros, carrinhas, jipes e caravanas, primeiro movimentando-se ao longo de todo o troço transitável, desbravando com os potentes faróis os obstáculos humanos e restantes veículos inertes.
Depois, travam e aceleram como se procurassem um abrigo, onde a camuflagem seja perfeita, onde o físico se dilua na paisagem tridimensional.
Palavras complicadas para descrever movimentações estranhas.

Entrou mais um automóvel.
Aparentemente sozinho, um homem nos seus 40, avança cuidadosamente pela estrada em mau estado que circunda os lugares, agora vagos, imitando os guardas que fazem a ronda, para se certificarem da segurança alheia: este zela pela sua.
Ligam-se novas luzes, estas há alguns minutos adormecidas no meio da vegetação, e que agora estão em sobreaviso.
Não se vê nada no interior dos veículos que rapidamente criaram um barreira de humidade e vapor que cerca os vidros, e muito embora a imaginação nos leve a acreditar que os casais de Lisboa têm um novo poiso, a verdade é que na sua maioria, os condutores que aqui entram vêm sozinhos.
Parecem estar à espera...como está o senhor que entrou.

Vou-me embora.
É tarde e pelo ar da coisa, não é hoje que descubro o que por aqui fazem antes e depois deste desfile de luzes e dos silêncios humanos abafados pelos motores.

Sei que um dia, estes comportamentos estranhos terão um fim, que talvez nunca venha a saber o que a minha "curiosidade Felícia Cabritiana" tanto exige.
Nesse dia, ficarei grato, como ex-aluno, por fecharem as cancelas à noite.

Sem comentários: