terça-feira, julho 23, 2013

chá gelado

No ziguezague ordeiro das duas rodas, atravessou Lisboa até desembocar no Jardim do Príncipe Real. Com o desfalecer do motor a máquina endiabrada inclinou-se naturalmente para a esquerda e assim repousou, apoiada num singelo pedaço de metal a tudo resistente. O capacete saiu-lhe em câmara lenta, descobrindo-lhe o rosto e devolvendo-lhe integralmente a audição. Esfregou lentamente a testa ainda marcada pelo casco protector e retirou as luvas enquanto olhava em redor. "Que dia lindo" - disse com o seu sorriso. E, de facto, as árvores espreguiçavam-se sob o sol quente e entusiasmado tocando-se reciprocamente num abraço orgânico e telúrico. As pessoas transportavam felicidade e bem-estar sob diversas formas e feitios, cores e cheiros. E como era intenso e agradável o perfume que ali se fazia sentir. O tempo ali parava. Pelo menos assim parecia. Dirigiu-se ao quiosque arqui-inimigo do conhecido "Oliveira", este situado no extremo oposto da Rua, em linha recta, e pediu um chá gelado. Servido, sentou-se nas cadeiras metálicas e deixou que o seu olhar se perdesse pelos movimentos contínuos dos gestos, do fumo dos cigarros, das aterragens de emergência dos pássaros, dos cães impacientes e dos transeuntes agradavelmente perdidos à procura de pontos de referência. A palhinha que se afundara no copo de plástico ecológico tinha sido dada a escolher de entre mais de uma dezena que se abriu em leque à sua frente. Aproximou-a dos lábios e num sorver curto mas intenso, molhou-os e inundou toda a sua boca com aquele refresco. Vinha a pensar nele desde o início do dia. 6:30 tinha sido a hora do fragilizado acordar. O sonho que tanto o incomodara estava agora a dissipar-se e a tranquilidade instalava-se, finalmente. O vento soprava intermitentemente e de vez em quando fazia das suas. Um guardanapo havia agora sido empurrado para fora da mesa que estava precisamente à sua frente e veio embater no seu sapato. Debruçou-se instintivamente para o apanhar e na simultaneidade dos acasos e das coincidências, ao baixar-se foi primeiro fuzilado e, depois, cercado por um perfume que nunca tinha provado. A sua cabeça descaiu ao de leve rodando sobre si própria enquanto os olhos se fechavam tentando decifrar com mais acuidade a natureza daquele tão raríssimo e perturbante odor. Provinha de um pescoço desconcertante, descoberto, absolutamente nu e maravilhoso. A esguia constituição terminava num rosto doce e terno. Sentiu perfeitamente que a sua boca se abrira involuntariamente e não conseguiu evitá-lo. Por seu turno, ela sorria como se tivesse dado o nome àquele movimento de lábios, de maçãs de rosto, expondo-se totalmente e arrasando tudo à volta com a sua onda de choque. Subitamente, apercebendo-se do efeito causado inverteu o seu sentido de marcha e com ar maroto dirigiu-se a Frederico e: "sabe que tem um ar magnífico...isso que está a beber.
O que é?"

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