domingo, julho 21, 2013

Prólogo


Os seus dedos eram traiçoeiros.
Se a cabeça pecava em pensamento as mãos davam-lhe corpo e realidade.
E sem que se apercebesse o chocolate entrava-lhe no sistema, talvez por carência, por curiosidade ou desejo secreto de concretização imediata necessária.
Conhecia outros prazeres, mas era honesto e decente, não sucumbia por definição aos impulsos e estímulos corporais, nem por exemplo às conversas de pescoço em discotecas barulhentas onde as palavras eram sopradas e causavam arrepios, ao bater ao de leve na pele. Procurava-se.
Mas não se deixava ir, agora, pela corrente forte dos acontecimentos.
Pela primeira vez determinava o seu destino, sem o conhecer ou prever, embora receoso e manifestamente desamparado. Parece que assim teria de ser, haviam-lhe dito.

Adormecia na cama, embora o sofá o conhecesse melhor. Conhecia-lhe as formas, as mudanças, e albergava as suas marcas de guerra, as lágrimas e os muito excepcionais amplos abraços do vinho tinto. Cúmplice das marcas roxas e do tanto amor que lá se fez. 
Não fala, mas sente.

Frederico Martins estava vivo e sentia-o pelos solavancos da sua mota, rebelde e possante enquanto atravessava, sob a forma de raio de luz, a marginal industrial até casa.

Embora veloz, espera qualquer coisa... Há muito que aguarda e não sabe o quê...
... Mas sente que está para muito muito breve...


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