segunda-feira, agosto 05, 2013

9:07

O toque do telefone, indistinto no mundo Apple que se vai apoderando lentamente de todos nós, fez ainda assim com que Frederico acordasse sobressaltado, não sabendo se era efectivamente o seu telefone a tocar.
O livro, com o susto, saiu disparado do seu peito para cima da mesa rasteira que tinha à sua frente, ao lado do pufe.
- Estou sim, bom dia? - disse com o seu melhor fingir de quem está há muito acordado.
- Então? Acordaste agora? Espero que já tenhas lido o livro. A pessoa que o emprestou chateou-me o fim-de-semana todo para ter cuidado com ele, and so on and so on.
- Não é leitura fácil, Zé... Ainda me faltam umas trinta páginas. Preciso de mais tempo - Frederico mentia descaradamente e de forma completamente paradoxal. Normalmente quando lhe faltava texto afirmava já ter lido o exemplar, mas ainda assim necessitava de uma revisão extra, para ter a certeza. A verdade é que Frederico havia lido o livro duas vezes e não queria perdê-lo de vista. Qualquer coisa de muito estranho existia naquela encadernação e embora pretendesse digitalizar o texto, sentia que algo mais se escondia fisicamente naquelas páginas, capa e marca de água de autor.
- Quanto tempo mais? Oh Frederico deixa-te de coisas sim, isso não é assim tão grande. Já reviste livros com o dobro do tamanho em metade do tempo! Como "ainda me faltam umas trinta páginas"? Amanhã de manhã vens entregar-mo em mão... 9 horas no escritório, sharp.
- deal - retorquiu Frederico.

O telefone emitira de imediato o som de "bloqueado" antes de penetrado pela carga eléctrica, também ela geradora de som, mas que nenhum jus faz ao verbo que descreve o movimento.

Os seus olhos viraram-se para o livro que  aterrara de pernas para o ar, capa aberta em jeito de telhado enquanto as folhas se mantinham penduradas. A luz do candeeiro incidia agora sobre as folhas e foi com particular espanto que pôde confirmar as suas suspeitas. 

Verificou que as folhas não eram efectivamente rectangulares e que embora o livro estivesse apoiado na capa rija o espaço que distava entre as folhas e mesa era menor na parte superior destas. A diferença era pequena, subtil ao ponto de parecer mero erro de encadernação. Mas Frederico sabia que um livro tão aprumadamente concebido não padecia de tão grosseiro desleixo.

Entusiasmado com tal descoberta dirigiu-se ao quarto de estudo, onde albergava todas as relíquias e os instrumentos Indispensáveis à sua análise e abriu a fotocopiadora, também ela uma pré-relíquia.
Frederico tinha dificuldade em deitar fora os resquícios da sua vivência. Guardava tudo com medo de que ficassem esquecidos no tempo, memórias, factos e ele próprio. 
O seu quarto de estudo era uma divisão temida pelas outras. Tinha o dom de expandir-se contaminando as demais com a loucura do depósito. Desde o papel da mercearia ao mais elaborado recibo de uma viagem que fizera há dez anos. Este espírito era transversal a outros objectos pessoais, felizmente escapando aos responsáveis pela sua higiene pessoal.
Mas este padrão estava a ser diariamente invertido, o que era uma vitória, lenta, mas ainda assim uma vitória 

Pegou no livro e com o cuidado característico de um arqueólogo - que não era - digitalizou uma a uma as páginas do livro.

A cada clarão vertical de luz reparou que o papel, apesar de quase translúcido exibia alguma marcas aparentemente inocentes, inofensivas e inadvertidas.

Mas a sua existência não era mero acaso como o facto das últimas palavras do parágrafo anterior começarem com o prefixo "in". 

Marcas diferentes consoante a página e riscos e desenhos bem ocultados pela capa que absorvia toda a atenção do leitor.

Frederico confirmou que as marcas não eram transferidas para o formato digital nem para a cópia que delas fez de imediato.

Sentou-se então a analisar o tamanho das folhas e a reproduzi-lo nas cópias.

Atónico, confirmou que o formato não era coincidência ou imprecisão indesejada.

As folham estavam... (fim de bateria deste iPhone).






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